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Capitalismo em crise: a conta que não fecha

O capitalismo numa era de questionamentos.
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Desigualdade é palavra-chave para o momento econômico, marcado pela falta de oportunidades que o mundo enfrenta. Só para se ter exemplos de como isso se traduz na prática, de toda a riqueza gerada no mundo em 2017, 82% foi parar nas mãos do 1% mais rico do planeta. Do outro lado, a metade mais pobre da população global – 3,7 bilhões de pessoas – não ficou com nada. No Brasil, há cinco bilionários com patrimônio equivalente ao da metade mais pobre do País, chegando a R$ 549 bilhões em 2017 – 13% maior em relação ao ano anterior. Ao mesmo tempo, os 50% mais pobres do Brasil tiveram sua “riqueza” reduzida no mesmo período, de 2,7% para 2%. Os dados são da organização não governamental OXFAM, de atuação internacional, que, desde os anos 1950, defende e incentiva o desenvolvimento sustentável.

Desigualdade é palavra-chave para o momento econômico, marcado pela falta de oportunidades que o mundo enfrenta. Só para se ter exemplos de como isso se traduz na prática, de toda a riqueza gerada no mundo em 2017, 82% foi parar nas mãos do 1% mais rico do planeta. Do outro lado, a metade mais pobre da população global – 3,7 bilhões de pessoas – não ficou com nada. No Brasil, há cinco bilionários com patrimônio equivalente ao da metade mais pobre do País, chegando a R$ 549 bilhões em 2017 – 13% maior em relação ao ano anterior. Ao mesmo tempo, os 50% mais pobres do Brasil tiveram sua “riqueza” reduzida no mesmo período, de 2,7% para 2%. Os dados são da organização não governamental OXFAM, de atuação internacional, que, desde os anos 1950, defende e incentiva o desenvolvimento sustentável.

Junto com as desigualdades, sistemáticas crises caracterizam o sistema capitalista contemporâneo. “Estamos sempre em crise!”, afirma o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Rogério da Costa. Doutor em História da Filosofia e especialista na teoria do Capitalismo Cognitivo, abordagem que se dedica a estudar as mudanças socioeconômicas provocadas pelas tecnologias da informação, ele explica ainda que, quando dois aspectos fundamentais são ameaçados, a situação é exacerbada. “O problema é que a ideia de crise só ganha sentido quando referida a dois aspectos inseparáveis de nosso modo de vida: o consumo e o emprego. A ameaça a essas duas dimensões acaba por ganhar um peso de fim de mundo. Crise, nesse cenário, deve significar, em última instância, não poder pagar suas dívidas”, afirma o professor, citando ainda o livro “O Homem Endividado”, do sociólogo e filósofo Mauricio Lazzarato.

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Para a professora Anapatrícia Moraes Vilela, do Programa de Pós-Graduação em Economia e Biotecnociência da Universidade Federal do ABC (UFABC) e coordenadora da região Sudeste do Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (Fortec), o estágio atingido pelo capitalismo e as repetidas situações de crise demonstram que o sistema exige uma reavaliação. “O sistema capitalista precisa ser repensado, no sentido de buscar ganhos de produtividade que não ofereçam geração de passivos sociais, ambientais e econômicos. Isso passa, necessariamente, por inclusão econômica, através do redesenho do papel dos atores políticos, empresariais e institucionais da atualidade.” A posição da professora é semelhante ao ceticismo do economista francês Thomas Piketty, no livro que se tornou best-seller, “O Capital do Século XXI”, cuja primeira edição foi lançada em 2013. Um dos principais pontos abordados pelo autor é a divisão das riquezas nos países desenvolvidos desde o século XVII, afirmando que as grandes heranças são, em muitos casos, a causa de contínuas desigualdades. Isso porque pessoas que receberam dinheiro de família conseguem, muitas vezes, superar o lucro de empresas em muito pouco tempo.

O sistema capitalista, da forma como está, não se sustenta mais.

O economista defende que deva existir, necessariamente, a regulação desses valores, em busca de mais equidade no sistema, como já ocorre em alguns países que taxam as fortunas herdadas. Em países desenvolvidos como os Estados Unidos, o Japão e em boa parte da Europa, a porcentagem de retenção de valores varia de 25 a 40%, dependendo das cifras que passam de pais para filhos. No Brasil, o teto para cobrança é de apenas 8%. Só a título de comparação, vale lembrar que os juros do cartão de crédito batem os 230% ao ano, enquanto os do cheque especial são ainda maiores, com incríveis – e lamentáveis – mais de 300% anuais.

As desigualdades econômicas e o avanço das imigrações na Europa, que também favorecem a visibilidade das diferenças sociais, mostram, de acordo com Piketty, que o sistema capitalista, da forma como está, não se sustenta mais. O economista francês acredita, então, que o mundo já atravessa uma fase “pós-capitalista”, algo à frente do que o sistema econômico classicamente coloca-se.

Piketty não é único a defender que o sistema já não se sustenta mais. O jornalista inglês Paul Mason, por exemplo, lançou em 2015, o livro “Pós-Capitalismo”, em que também coloca em xeque o futuro do sistema, afirmando que o momento é uma oportunidade para uma nova economia e política.

“Parece-me que está em jogo o fato de que as formas de produção de riqueza mudaram, bem como aquilo que se entende por riqueza. Desde os anos de 1990, vivemos uma grande mudança no campo da produção, que passou a depender cada vez mais de elementos imateriais, como conhecimento e informação”, explica Costa.

Cidadania

Por outro lado, enquanto as grandes riquezas – herdadas ou não – crescem de maneira exponencial e se distanciam da parcela mais pobre da sociedade, o que se tem, na visão de especialistas, é uma fragilidade na ideia de cidadania, algo que precisa ser tomado como primordial na educação para o futuro e para as relações sociais. “Quando olhamos para as sociedades capitalistas o que encontramos, ao lado da desigualdade, é um conceito fraco de cidadania. Em outras palavras, encontramos essa divisão entre cidadãos de primeira e de segunda classe. O problema não é apenas estrutural, mas histórico em várias sociedades, com as dívidas em relação à escravidão, genocídios e exploração”, explica Costa.

A professora Anapatrícia complementa citando as alterações práticas que aconteceram no sistema. “Na perspectiva de introdução de novos produtos, processos, serviços aos mercados, o desenvolvimento econômico decorre dessa dinâmica que promove um permanente estado de inovação, substituição de produtos, criação de novos hábitos de consumo, tornando-se um elemento crítico na luta concorrencial das empresas e dos países”.

Mas, qual o caminho? Não se trata, simplesmente, de ser contrário ao sistema capitalista, característico da sociedade contemporânea. Mesmo em Cuba, onde o socialismo conseguiu se consolidar com resultados satisfatórios em algumas áreas, como a educação e a saúde, há uma gradual abertura econômica e uma aproximação com o modelo capitalista, sobretudo após a retomada das relações com os Estados Unidos. “Digamos que seria difícil pensar uma distinção tão clara entre a lógica do capitalismo e nossas vidas, na medida em que o modo de ser do capitalismo é parte estruturante de nossa maneira de viver e pensar. Os desarranjos, desabamentos, colapsos econômicos, quebra da bolsa, enfim, sempre fi zeram parte do nosso dia-a-dia”, acredita Costa.

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Individualismo

Nessa lógica de crises e dificuldades, o sistema resiste e, na relação de forças estabelecida entre os diversos atores, surge uma das mais marcantes características, fortalecida nos últimos tempos: o individualismo. “A lógica do Estado mínimo, evidentemente, provoca inúmeras interferências em nossas vidas. Mas é preciso que se entenda aquilo que acompanha uma tal lógica e como nossos desejos são investidos pelo capital. Há um desejo de Estado mínimo, que faz eco com o individualismo cada vez mais acentuado de nossas sociedades”, explica o professor.

“Há um desejo de Estado mínimo, que faz eco com o individualismo cada vez mais acentuado de nossas sociedades.”

Um dos pontos a serem mais debatidos e que permitem uma evolução sadia ou, no mínimo, menos perversa é a consciência humana sobre o sistema e a necessidade da reflexão sobre políticas públicas que reduzam as desigualdades. A pergunta que deveria pautar essa discussão deveria ser “faz sentido viver num mundo com tanta miséria ao lado?” Tarefa que, para ser consolidada nas próximas gerações, deve começar agora.

Por Fabiano Ormanese

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