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As redes sociais como sistemas biopolíticos

A real influência das redes sociais e nossas tomadas de decisão.
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No mundo da pós-verdade, onde Donald Trump é um dos homens mais poderosos do mundo, um debate que vem tomando a mente das pessoas é sobre a real influência das redes sociais online e seus fluxos de conteúdo em nossas tomadas de decisão como, por exemplo, o voto.

No mundo da pós-verdade, onde Donald Trump é um dos homens mais poderosos do mundo, um debate que vem tomando a mente das pessoas é sobre a real influência das redes sociais online e seus fluxos de conteúdo em nossas tomadas de decisão como, por exemplo, o voto.

Antes de tentar buscar uma resposta para esta pergunta, é importante esclarecer como funcionam os mecanismos de exibição de conteúdos nas plataformas de redes sociais. No Facebook, por exemplo, são exibidos em média, diariamente, mais de 300 posts nas linhas do tempo de cada usuário. No entanto, estas postagens não representam o total de conteúdo que amigos e páginas curtidas pelo usuário produziram em um dia.

Esse conjunto de posts exibidos é selecionado por um algoritmo, que é um conjunto de códigos programado para construir perfis dos usuários e, a partir destes, decidir que tipos de conteúdos serão exibidos ou não. Esses perfis construídos levam em conta fatores como amigos, curtidas, tempo de rolagem sobre conteúdos, comentários e interesses do usuário, entre outros.

Conforme os gostos e interações vão mudando, o algoritmo vai aprendendo e se adaptando para sempre exibir os conteúdos que considera mais adequado para o usuário de acordo com o perfil delimitado. Isso quer dizer que há uma propensão de que fiquemos dentro de uma “bolha”, na medida em que o algoritmo tende a nos enviar, na maioria das vezes, conteúdos que estejam alinhados aos nossos gostos, interesses e alinhamentos ideológicos. Eli Pariser, autor do livro “O Filtro Invisível”, descreve esse movimento como “filtros-bolha”, onde algoritmos personalizam nossos conteúdos em redes sociais e também nossos resultados de pesquisa em ferramentas de busca, por exemplo.

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O Facebook tem mais de 1,8 bilhões de usuários ativos no mundo, segundo a Statista. O relatório Social Media Update, feito pelo PewResearchCenter, mostra que 6 em cada 10 americanos têm nas mídias sociais a sua fonte principal de notícias, sendo que 66% da amostra da pesquisa usa o Facebook como plataforma majoritária.

Dentre o público de 26 países pesquisados pelo Reuters Institute para o Digital News Report, 51% dos usuários afirmaram acessar notícias através das redes sociais online, sendo o Facebook o serviço predominante na preferência (44%). No Brasil, o total de pessoas que usa as redes sociais para se informar chega a superar os 72%. Segundo uma pesquisa publicada por uma equipe de pesquisadores do Facebook na revista científica Science, entre as pessoas que divulgam sua afiliação ideológica no Facebook, em média, 23% dos amigos dessas pessoas têm afiliação oposta. Com relação ao que as pessoas veem na timeline, em média, somente 28% das notícias têm linhas ideológicas transversais a do usuário. Além disso, apenas 25% das notícias em que as pessoas clicam são transversais à sua ideologia própria declarada na plataforma.

Apesar de o Facebook ter afirmado algumas vezes que não é uma empresa de mídia, o comportamento dos usuários, como é possível perceber nas pesquisas citadas, é contrário a isso. As pessoas estão usando as redes sociais para consumo midiático, ou seja, consumo de conteúdo informativo, jornalístico ou não.

O Facebook tem mais de 1,8 bilhões de usuários ativos no mundo, segundo a Statista. O relatório Social Media Update, feito pelo PewResearchCenter, mostra que 6 em cada 10 americanos têm nas mídias sociais a sua fonte principal de n otícias, sendo que 66% da amostra da pesquisa usa o Facebook como plataforma majoritária.

O professor Benjamin Bratton da UC San Diego, defende que plataformas desse tipo sejam considerados não apenas mídia, mas sistemas reguladores. Ou seja, “os filtros-bolha” são somente um ponto do grande turbilhão de mudanças comportamentais que vêm sendo potencializadas pelas redes sociais online. Vicente Serrano Marín, autor do livro “Fraudebook”, fala das plataformas de redes sociais enquanto dispositivos biopolíticos, adaptando a noção foucaultiana do termo para os tempos atuais. No caso das redes, segundo ele, a vida deve ser compreendida a partir da ideia de vida afetiva e o poder como a diversidade de discursos ideológicos característica das democracias.

Marín explica que, para Foucault, a vida se projeta sobre o modo como os indivíduos representam a si mesmos em discurso biográfico. Ou seja, todos os sistemas de controle organizados pelo Estado são insuficientes em conter a representação simbólica e discursiva necessária ao controle biopolítico no momento em que não contemplam os dispositivos pelos quais os sujeitos vivem e representam suas próprias vidas.

É possível ver aqui a passagem da sociedade disciplinar para a sociedade do controle quando o poder exercido por dispositivos organiza diretamente os cérebros e os corpos em direção a um estado de alienação autônoma e auto-vigilante. O biopoder é uma forma de poder que manifesta e regulamenta a vida social no seu interior, interpretando-a e reformulando-a.

Os dispositivos biopolíticos da atualidade exercem seu controle produzindo e regulamentando costumes, hábitos e práticas produtivas, colocando usuários para produzir e compartilhar todas as instâncias de suas vidas em uma produção de discursos normatizantes. A relação social mediada pelas imagens dos acontecimentos, onde os eventos documentados não mais são dissociados, engloba em si todos elementos da vida social.

A transformação do novo modo de produção em uma máquina garante o funcionamento constante dos engendramentos sociais em seus diversos dispositivos que combinam e recombinam o mundo com os sujeitos e os objetos que o constituem. Além do próprio filtro de conteúdos exercido pelos algoritmos, o biopoder também é modificado na manipulação intencional dos conteúdos circulantes.

Se não bastasse as interações humanas dentro da plataforma, o uso de ‘bots’ de mídias sociais foi abordado em um estudo publicado na First Monday. Segundo a pesquisa, eles podem afetar efetivamente a discussão política na rede, principalmente, para um posicionamento mais negativo e polarizador do que para ampliação do debate. O levantamento analisou 20 milhões de tweets postados entre 16 de setembro e 21 de outubro de 2016 e concluiu que cerca de 400 mil robôs estavam engajados nas conversações online e foram responsáveis por 3,8 milhões de tweets, cerca de 1/5 da conversação. Segundo os pesquisadores, a presença de bots na discussão política pode criar três questões principais: a) a influência pode ser redistribuída entre contas suspeitas que podem operar com objetivos escusos; b) a conversação se torna polarizada; e, c) a viralização de informações falsas e não verificadas pode ser aumentada.

Outra pesquisa publicada pela Universidade de Oxford também conclui que, nas eleições norte-americanas, um “exército de robôs pró-Trump” superou a investida digital de Clinton. Segundo os pesquisadores, a principal tática era confundir as pessoas e modificar discussões, principalmente com o uso de notícias falsas, mas também com memes e imagens fabricadas. A pesquisa afirma que as postagens automatizadas pró-Trump superaram em cinco vezes o mesmo tipo de mensagem pró-Hillary.

Outra pesquisa publicada pela Universidade de Oxford também conclui que, nas eleições norte-americanas, um “exército de robôs pró-Trump” superou a investida digital de Clinton. PT-Revista

Entre cerca de 19 milhões de tweets avaliados na última semana de campanha, 55% eram pró-Trump e 19% pró-Hillary. Segundo os mesmos pesquisadores de Oxford, o uso de bots políticos também desempenhou um papel importantíssimo na votação que decidiu pelo Brexit na Inglaterra. Para identificar esse tipo de ação eles utilizam o termo “propaganda computacional”.

Ou seja, os novos sistemas biopolíticos da atualidade atuam de formas diferentes e mais complexas do que os anteriores, aos quais estávamos adaptados. Dados os últimos  acontecimentos, torna-se clara a emergência tanto de estudos com relação a estes sistemas, quanto de atitudes por parte das empresas que controlam essas plataformas, a fim de que possamos ter um uso mais transparente e ético da nova democracia digital.

Stefanie C. da Silveira é Jornalista, pesquisadora em Comunicação Digital e Doutora pela USP.
João Gabriel D. Morisso é Publicitário, diretor de arte e acadêmico em Gestão Integrada da Comunicação Digital na Universidade de São Paulo.

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